O QUE OS POVOS INDÍGENAS PODEM ESPERAR?

O QUE OS POVOS INDÍGENAS PODEM ESPERAR?
por Yuri Vasconcelos*

"Portanto, os Povos Indígenas não podem esperar nada da institucionalidade burguesa para esse próximo período. Os graves problemas vivenciados pelas comunidades indígenas não serão resolvidos pela manutenção e desenvolvimento do mercado e da economia capitalista, uma vez que esse modo de produção possui, em sua essência, a lógica do lucro, a mercantilização da terra, a degradação ambiental, a homogeneização da cultura e a exploração do homem pelo homem."

A questão indígena no Brasil continua a ser um debate secundarizado ou mesmo abandonado pelas políticas públicas. Depois de séculos de extermínio sistemático e vários anos sendo considerados, legalmente, como seres inferiorizados e forçados a uma política integracionista e homogeneizadora, as políticas neoliberais na atualidade aprofundam o descaso do Estado brasileiro com as populações indígenas.

Passadas as eleições 2014, as comunidades indígenas já começam a sentir que a “nova” velha política do Estado brasileiro dará continuidade às mazelas plantadas pelo colonialismo, como a perda de suas terras ancestrais, a pobreza, os altos índices de mortalidade infantil, o preconceito, entre outras.

As políticas neoliberais implementadas pelos sucessivos governos (tucanos e petistas) intensificam os ataques aos direitos indígenas. Observa-se um aprofundamento do que chamamos de mercantilização da vida, ou seja, a mercantilização dos serviços públicos essenciais, como saúde, educação, transporte, previdência, moradia, cultura, alimentação, enfim, o direito à vida.

Os processos de privatização (estradas, telecomunicações, sistemas de geração e distribuição de energia, empresas de saneamento, sistema de ferrovias, empresas de transporte público, aeroportos) partem de uma falsa lógica de que a ação privada é melhor para o conjunto da sociedade e que levariam a uma oferta de bens e serviços de qualidade superior e preços mais adequados. Entretanto, longe de atender às necessidades da população, observa-se que as decisões políticas sempre operam no sentido de favorecer as empresas privadas, aumentando os seus lucros, como, por exemplo, nos casos das tarifas elevadas e nos péssimos serviços ofertados, como saúde e educação.

O bem público passa a ser encarado e tratado como aquilo que é a essência mesma do modelo em que vivemos: simples mercadoria. Portanto, os sérios problemas que os Povos Indígenas vivenciam hoje nos seus Territórios não serão resolvidos por dentro da institucionalidade burguesa, uma vez que não são enxergados como questões de direito a essas populações, mas como simples mercadorias.

A terra, tão essencial para as comunidades indígenas, também é vista como mera mercadoria, Continua a não ser garantido em nosso país o direito à autodeterminação dos povos indígenas – controlar suas vidas e suas terras. A presença de posseiros, o mercado ilegal de mineração, o uso de pastagem e a falta de políticas públicas são constantes nos territórios indígenas. Por outro lado, várias comunidades indígenas continuam sem possuir o direito à terra, portanto, sem o direito de locais para morar, realizar suas atividades produtivas e praticar suas manifestações culturais.

Essa situação acarreta em prejuízos econômicos, sociais, ambientais e culturais, uma vez que a vida indígena está diretamente relacionada com a terra. Expulsos dos seus territórios, com os procedimentos de demarcação de suas terras paralisados, ataque institucionais contra os seus direitos e manifestações ruralistas anti-indígenas, intensifica-se um quadro de forte violência contra esses Povos. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulgou, em julho de 2014, o relatório "Violência contra os povos indígenas no Brasil - Dados de 2013”, onde demonstra que é crescente a desvalorização e a violência contra os povos indígenas no Brasil.

REGISTROS DE CASOS CONTRA POVOS INDÍGENAS

Descrição
Quantidade
Violência contra o patrimônio
97 casos
Conflitos relativos a direitos territoriais
10 casos
Invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio
36 casos
Assassinato
46 casos (53 vítimas)
Tentativa de assassinato
29 casos (328 vítimas indígenas, estudantes e 04 comunidades)
Homicídio culposo
10 casos (13 vítimas)
Ameaça de morte
10 casos (14 vítimas indígenas e várias comunidades)
Ameaças variadas
10 casos (35 vítimas indígenas e várias comunidades)
Lesões corporais dolosas
07 registros (08 vítimas e 01 comunidade)
Abuso de poder
02 casos (06 vítimas e 01 comunidade)
Racismo e discriminação étnico cultural
23 ocorrências (3.618 vítimas indígenas, várias comunidades e povos do Brasil)
Violência sexual
11 casos (10 vítimas e 01 comunidade)
Suicídio
54 casos (56 vítimas)
Desassistência na área de saúde
44 casos (437 vítimas)
Morte por desassistência à saúde
06 casos (07 vítimas)
Mortalidade infantil
05 casos (06 vítimas)
Disseminação de bebida alcoólica e outras drogas
04 casos (3.215 vítimas)
Desassistência na área de educação escolar indígena
22 casos (467 vítimas)
Desassistência geral
39 casos (3.826 vítimas)
Fonte: CIMI.

Esse quadro nefasto tende a piorar nesse próximo período, dada a omissão e morosidade por parte do governo federal na regularização das terras indígenas, seguindo uma postura de subserviência às pressões do agronegócio, especialmente da bancada ruralista no Congresso Nacional.

Observa-se a continuação e intensificação da política de favorecimento ao agronegócio, em detrimento da agricultura familiar e ao uso coletivo das terras. Essa política significa uma intensificação da concentração de terra, da destruição ambiental, com uso de transgênicos e agrotóxicos, e dos impactos sociais e culturais de grave expressão, visto as constantes expulsões dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores das suas terras, para tornar oportuna a produção para a exportação.

Analisando o gráfico abaixo, percebemos que o discurso de que o agronegócio é o modelo responsável por alimentar o país e empregar a força de trabalho camponesa é falacioso, uma vez que, segundo o censo rural do IBGE, a maior parte da produção para alimentação do povo brasileiro (70%) e emprego dos trabalhadores está na agricultura familiar, mesmo esta tendo menos crédito e poucas terras. O agronegócio, por sua vez, concentra terras, recebe mais créditos e produz apenas 30% do que é consumido pela população. O resto da produção, em sua maioria commodities, é exportado.

O governo petista de Dilma, mesmo antes da posse do seu segundo mandato, já demonstra claramente que aprofundará os favorecimentos ao agronegócio, em detrimento aos direitos indígenas, quilombolas e pequenos produtores rurais. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff convidou o principal símbolo do agronegócio no país - a senadora Kátia Abreu (PMDB/TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura - para ser a ministra da área no seu próximo governo. Kátia Abreu, além de ser uma exímia defensora dos pleitos ruralistas, sempre se coloca contrária aos direitos territoriais indígenas, quilombolas, assentamentos, e critica a instauração de legislação trabalhista mais justa e abrangente para o setor rural.

Além disso, a senadora sempre exigiu maior rapidez na aprovação pelo MAPA de novos agrotóxicos, nunca pedindo a mesma rapidez para tecnologias produzidas de materiais orgânicos e naturais. Ou seja, agora enquanto nova ministra, as portas estarão escancaradas para a utilização, cada vez maior, de produtos químicos na produção de alimentos, favorecendo os lucros das fabricantes multinacionais e degradando o meio ambiente e a saúde humana.

Apesar do cenário já não ser bom, são frequentes os ataques institucionais contra os poucos direitos indígenas garantidos na Constituição, como a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), a PEC 237/2013 que permite a posse indireta das terras indígenas por produtores rurais, a PEC 038/99 que dá ao Senado federal competência para a demarcação das terras indígenas, o PL 1610/96 sobre mineração, o PLP 227/12 que pretende criar exceções ao direito dos indígenas do uso exclusivo de seus territórios, em caso de “relevante interesse da União” e, por último, a PEC 215/00 que busca retirar dos Povos Indígenas a autonomia nos seus Territórios, além de criar enormes ou quase o fim das demarcações das terras indígenas. O parlamento burguês, em especial a bancada ruralista, vem fazendo constante pressão pela modificação de leis que tratam dos assuntos indígenas, inclusive, com o não cumprimento e respeito à legislação internacional que garante aos povos indígenas à consulta livre e prévia, sempre que estes empreendimentos afetem seus territórios, como afirma a Convenção 169 da OIT, que foi ratificada pelo governo brasileiro em abril de 2004.

As mobilizações dos movimentos indígenas e indigenistas nos anos de 2013 e 2014 conseguiram impedir o avanço desses ataques institucionais. Entretanto, com a postura subserviente, cada vez maior, do governo federal perante o capital, bem como a nova composição mais à direita do Congresso Nacional, é de se esperar que ganhem força esses e outros ataques institucionais contra os direitos dos Povos Indígenas.

Portanto, os Povos Indígenas não podem esperar nada da institucionalidade burguesa para esse próximo período. Os graves problemas vivenciados pelas comunidades indígenas não serão resolvidos pela manutenção e desenvolvimento do mercado e da economia capitalista, uma vez que esse modo de produção possui, em sua essência, a lógica do lucro, a mercantilização da terra, a degradação ambiental, a homogeneização da cultura e a exploração do homem pelo homem.

Esses tempos de acirramento da luta de classes não são tempos de esperar. São tempos de ousar, são tempos de lutar. São tempos de se contrapor à ordem social vigente, ousando construir uma nova sociedade, onde os nossos direitos sejam garantidos, onde a vida não seja considerada como mercadoria. São tempos em que precisamos exigir que os serviços públicos essenciais à vida humana (terra, educação, saúde, cultura, transporte, alimentação) sejam oferecidos pelo Estado de maneira pública, universal e gratuita.

Nesses tempos, os Povos Indígenas estão sendo convocados para não mais se curvarem ao Estado burguês e seus governos de plantão com suas políticas de migalhas. Estão sendo convocados para tomarem as rédeas de suas vidas, lutarem pela garantia e ampliação dos seus direitos, sendo os protagonistas dos seus processos políticos, construindo, em conjunto com a classe trabalhadora, uma sociedade justa, fraterna e solidária.

* Yuri Vasconcelos é Indigenista Especializado e membro do Comitê Central do PCB.



Fonte: PCB


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