Líbia: de Kadhafi à Al-Qaëda. Com agradecimentos à CIA...

Líbia: de Kadhafi à Al-Qaëda. Com agradecimentos à CIA...
por Marc Vandepitte


"A queda de Kadhafi tornou-se possível através de uma aliança entre as forças especiais francesas, britânicas, jordanas e qataris, de um lado, e dos grupos rebeldes líbios, de outro. O mais importante deles era precisamente o Libyan Islamic Fighting Group (LIFG), que figurava na lista das organizações terroristas proibidas. [...] A sua milícia teve direito a treinos americanos, mesmo antes de ter começado a rebelião na Líbia.

 


Estão os Estados Unidos verdadeiramente em guerra contra o terrorismo em África, ou fomentam-no para servir os seus interesses?

Estado falhado

Em 11 de outubro, o Primeiro-ministro líbio foi brutalmente derrubado antes de ser libertado algumas horas mais tarde. Este rapto é sintomático da situação no país. Em 12 de outubro, um automóvel armadilhado explodiu perto das embaixadas da Suécia e da Finlândia. Uma semana antes, a embaixada da Rússia foi evacuada, depois de ter sido invadida por homens armados. Há um ano, a mesma coisa aconteceu na embaixada americana. O embaixador e três colaboradores foram mortos. Outras embaixadas tinham sido anteriormente alvos de ataque.

A intervenção ocidental na Líbia, tal como no Iraque e no Afeganistão, instaurou um Estado falhado. Depois do derrube e do assassinato de Kadhafi, a segurança no país está fora de controlo. Atentados contra políticos, ativistas, juízes e serviços de segurança são o pão de cada dia. O governo central exerce apenas o controlo do país. Milícias rivais impõem a sua ordem. Em fevereiro, o governo de transição foi forçado a reunir em tendas, depois de ter sido expulso por rebeldes encolerizados. O barco que naufragou perto de Lampedusa, afogando 300 refugiados, provinha da Líbia. Etc.

A Líbia detém as mais importantes reservas de petróleo de África. Mas, depois do caos que reina no país, a extração de petróleo praticamente paralisou. A partir daí, o país tem de importar petróleo para assegurar as necessidades de eletricidade. No início de setembro, as reservas de água para Tripoli foram sabotadas, ameaçando acapital de penúria.

Bases para os terroristas islamitas

Mas o mais inquietante é a jihadização do país. Os islamitas controlam territórios inteiros e colocam homens armados nos pontos de controlo das cidades de Benghazi e Derna. O personagem Belhadj é disso uma perfeita ilustração. Este velho (chamemos-lhe assim) membro eminente da Al-Qaëda esteve implicado nos atentados de Madrid de 2004. Depois do derrube de Kadhafi, tornou-se governador de Trípoli e enviou centenas de jihadistas líbios para a Síria para também combater Assad. Trabalha agora na instauração de um partido conservador islamita.
 
A influência da jihadização estende-se bem para lá das fronteiras do país. O ministro tunisino do interior descreve a Líbia como um «refúgio para todos os membros da Al-Qaëda do norte de África». A seguir ao colapso do poder central da Líbia, as armas pesadas caíram nas mãos de toda a espécie de milícias. Uma delas, o Libyan Islamic Fighting Group [Grupo islâmico líbio de combate (NT)], (LIFG), de que Belhadj era dirigente, concluiu uma aliança com os rebeldes islamitas do Mali. Estes últimos conseguiram, com os Tuaregues, tomar o norte do Mali durante alguns meses. A tomada de reféns em grande escala num local de extração de gás de Argélia, em janeiro, deu-se a partir da Líbia. Hoje, a rebelião síria é dirigida a partir da Líbia e a missão do petróleo jiadhista estende-se em direção ao Níger e à Mauritânia.

Com os agradecimentos à CIA

À primeira vista, os Estados Unidos e o Ocidente parece mostrarem-se preocupados com esta recrudescência da atividade jihadista no norte de África. Juntemos-lhe também a Nigéria, a Somália e, mais recentemente, o Quénia. Mas observando de mais perto, a situação é mais complicada. A queda de Kadhafi tornou-se possível através de uma aliança entre as forças especiais francesas, britânicas, jordanas e qataris, de um lado, e dos grupos rebeldes líbios, de outro. O mais importante deles era precisamente o Libyan Islamic Fighting Group (LIFG), que figurava na lista das organizações terroristas proibidas. O seu líder, o mencionado Belhadj, tinha dois a três mil homens debaixo das suas ordens. A sua milícia teve direito a treinos americanos, mesmo antes de ter começado a rebelião na Líbia.

Os Estados Unidos não eram principiantes nessa matéria. Nos anos 80, encarregaram-se da preparação e do enquadramento dos combatentes islamitas extremistas no Afeganistão. Nos anos 90, repetem a dose na Bósnia e, dez anos mais tarde, no Kosovo. Não é de excluir que os serviços de informações ocidentais estejam diretamente ou indiretamente implicados nas atividades terroristas dos Tchechenos na Rússia ou dos Uigures na China.

Os Estados Unidos e a França fingiram-se surpreendidos quando os Tuaregues e os islamitas ocuparam o norte do Mali. Mas não passava de uma fachada. Podemos mesmo perguntarmo-nos se não seriam eles a provocá-lo, como aconteceu em 1990 com o Iraque face ao Kuweit. Tendo em conta a atividade da Al-Qaëda na região, qualquer especialista em geoestratégia sabia que a eliminação de Kadhafi provocaria o recrudescimento da ameaça terrorista ao Magreb e ao Sahel. Como a queda de Kadhafi foi provocada em grande parte pelas milícias jihadistas, que os Estados Unidos treinaram e enquadraram, pode-se começar a fazer perguntas muito sérias. Para mais pormenores a este propósito remeto-vos para um artigo anterior.
 

Agenda geopolítica

Seja de que maneira for, a ameaça terrorista islamita na região e noutros locais do continente convém bastante aos Estados Unidos. Era a desculpa perfeita para estar militarmente presente e intervir no continente africano. Não escapou a Washington que a China e outros países emergentes estão cada vez mais ativos no continente e constituem assim uma ameaça à sua hegemonia. A China é hoje o mais importante parceiro comercial da África. Segundo o Finantial Times, «a militarização da política americana depois do 11 de setembro é controversa há muito tempo, uma vez que é considerada como uma tentativa de os Estados Unidos reforçarem o seu controlo sobre as matérias-primas e de contrariar o papel comercial exponencial da China».

Em novembro de 2006, a China organizou uma cimeira extraordinária sobre a cooperação económica, onde estiveram presentes, pelo menos, 45 chefes de Estado africanos. Precisamente um mês mais tarde, Bush aprovou o lançamento do Africom. Africom é o contingente militar americano (aviões, navios, tropas, etc.) destinado ao continente africano. Vimo-lo em ação pela primeira vez na Líbia e no Mali. O Africom está desde então em atividade em 49 dos 54 países africanos e os Estados Unidos têm bases ou instalações militares permanentes em pelo menos dez países. A militarização dos Estados Unidos no continente alarga-se permanentemente. A seguir encontra-se um mapa da sua presença no continente nestes dois últimos anos. É bastante eloquente.

MAPA


No terreno económico, os países do norte perdem terreno face aos países emergentes do sul, e é certamente este o caso de África, um continente rico em matérias-primas. Parece cada vez mais evidente que os países do norte combaterão este reequilíbrio com meios militares. Isto promete para o continente negro.



Fonte: Investig'Action



Traduzido do holandês por Thomas Halter para InvestgÁction


 Pelo Socialismo


Mafarrico Vermelho
 


 
 

 

 


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