O FUTURO PERTENCE AOS TRABALHADORES



O FUTURO PERTENCE AOS
TRABALHADORES

Perante a repressão, o medo e o corte de direitos nos locais de trabalho


Por: Paula Henriques


A degradação do regime democrático, consequência do processo contra-revolucionário que se iniciou com o 25 de novembro de 1975, adquire hoje contornos altamente preocupantes, nomeadamente no que se refere às liberdades coletivas e individuais dos trabalhadores.

E como liberdade não é um conceito abstrato, o seu conteúdo tem uma natureza de classe, 35 anos de políticas de direita aumentaram a liberdade do patronato para intensificar a exploração e diminuiram a liberdade dos trabalhadores para se defenderem e lutarem contra a violência que o patronato instaura para conseguir o seu objetivo.

Não cabendo aqui fazer o historial de como, à medida que as privatizações avançavam, as liberdades iam enfraquecendo nos locais de trabalho, apenas se reafirma que o último Código do Trabalho, aprovado na vigência do atual governo do PS com o apoio do PSD e do CDS, é a peça jurídica que culmina os últimos retrocessos no domínio dos direitos dos trabalhadores, indo mais longe que o Código de Bagão Félix.

Um dos principais meios de pressão sobre os trabalhadores que o patronato dispõe, e a pressão é repressão, é a facilidade de recorrer ao despedimento. Embora muitos deles sejam ilegais, a lei faculta-lhe a possibilidade de aligeirar os processos e, além disso, se beneficia da Autoridade para as Condições de Trabalho inoperante e sem meios suficientes e de Tribunais de Trabalho em cada vez menor número com cada vez menos juízes.

O poder de chantagem exercido pela tentativa de conservação do posto de trabalho aumenta com o rápido crescimento do exército de reserva de mão-de-obra disposto a trabalhar por salários mais baixos.

Não falando dos despedimentos coletivos provocados pelo encerramento de empresas, o patronato tem procurado despedir os trabalhadores mais antigos, precisamente por serem detentores de muitos direitos adquiridos, mas também aqueles que mais se destacam nas lutas.

Podemos citar o exemplo do despedimento de todos os membros da Comissão de Trabalhadores do Hotel Lutécia há cerca de três anos, o recente despedimento da Lisnave de um dirigente sindical e membro da Comissão de Trabalhadores e o de um delegado sindical da Sotancro , os sucessivos despedimentos dos trabalhadores da Brasileira do Chiado por serem " sindicalistas comunistas " , as cartas de despedimento enviadas a mais de duas dezenas de trabalhadores da Carris na sequência da última greve.

Outro fator do mesmo modo poderoso é a precariedade, por facilitar também o despedimento. Ela assume formas imaginosas, cínicas e cruéis e quase sempre ilegais. Mas, um trabalhador precário sente o seu posto de trabalho permanentemente em risco, sofre a pressão da chantagem e torna-se-lhe muito mais dificil exercer os seus direitos, resistir e reivindicar. São muitos os casos de trabalhadores precários que não descontam a sua quotização sindical no salário, por medo de represálias.

O abaixamento dos salários, hoje, no nosso país, carrega consigo ainda uma outra violência. Muitos trabalhadores vêem-se compelidos a procurar um segundo e um terceiro emprego para responderem as necessidades de subsistência das suas fa mílias. Nestas condições, o trabalhador não é livre de repousar, de se instruir, de ter atividade social, sindical ou partidária, de dedicar atenção aos seus filhos. Esta é das mais violentas formas de reprimir os trabalhadores, fazê-los aproximar o mais possível da escravatura.

A própria forma de remunerar o trabalho pode ser também fator de intensificação da exploração. Em muitas empresas, o salário é dividido entre salário-base e prêmios variados. Os mais frequentes premiam a 'assuidade", outros a quantidade de mercadorias produzidas, traduzida nos famosos 'objetivos" as mais das vezes inalcançáveis, outros ainda a "produtividade". Daqui resulta que se o trabalhador adoecer, for a uma assembléia, se ficar em casa por licença de maternidade ou paternidade, se tiver de cuidar dos filhos por doença, se fizer greve, se for ao funeral do pai ou da mãe ( há casos destes! ) não terá direito a receber o prêmio.

Numa empresa do ramo automóvel, a Mercauto, revendedora da marca Mercedes, foi instituido um prêmio "de atitude" . Se o trabalhador for submisso, se zelar bem pelo interesse do patrão e não fizer valer o seus direitos, se não for solidário com os seus colegas, então recebe o prêmio.

Muitos trabalhadores em call-centers, por exemplo, recebem à peça. Se não conseguirem vender determinada quantidade de produtos, se não conseguem realizar certo número de entrevistas, vêem o seu salário reduzido para pouco mais de 300 euros.

A organização do tempo de trabalho é uma prerrogativa que o patronato pretende ter exclusivamente para si. Se puder, ele quererá ter o trabalhador 24 horas à sua disposição. Não é por acaso que esta matéria é das mais atacadas no que se refere aos direitos dos trabalhadores. È também das formas mais cruéis de repressão, porque o trabalhador deixa de ter vida própria, de poder organizar seu tempo em função das suas necessidades. Recentemente o patronato da grande distribuição (Hipermercados) , pretendia fazer passar na convenção coletiva a possibilidade de determinar o horário na véspera do dia a que se referia. A luta e a unidade dos trabalhadores obrigaram-no a recuar.

Não pode passar sem referência a repressão ideológica. Não é só nos orgãos da Comunicação Social dominados pelo grande capital que ela se verifica. O domínio ideológico de que também é feito o domínio de classe, é exercido todos os dias em todos os locais de trabalho quando os "diretores de recursos humanos", cientificamente preparados nas universidades onde se ensina a gerir o capital, tentam apagar o conflito de classes, desmentir a ideologia de classe, desmoralizar a luta dos trabalhadores, retiram a palavra patrão e operário do léxico substituindo-as por empregador e colaborador, chamando rescisão por mútuo acordo aos despedimentos mais bárbaros, ou lay-off aos despedimentos mais ou menos temporários, diabolizando a luta e a atividade sindical, pedindo sacrifícios para o bem comum procurando criar a cultura da empresa em grandes jantaradas com banqueiros de presença obrigatória para os trabalhadores, elaborando códigos deontológicos dignos do corporativismo fascista.

Nada do que aqui foi dito é novo. Debaixo das roupas das suas atuais formas, está a nudez do sistema capitalista e os velhos mecanismos de exploração. Mas a história tem sempre dois protagonistas: os exploradores e os explorados.

Os primeiros serão varridos como velharias do passado. O futuro pertence aos últimos.

Texto publicado no jornal da URAP- União de Resistentes antifascistas portugueses
série 4- nº 127 - trimensário

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