Reflexão sôbre o oportunismo do Partido Comunista Francês- PCF
Refletir
sobre a crise que abalou profundamente os Partidos Comunistas
Francis Arzalier*
Fonte: pelosocialismo.net
Enquanto comunistas
franceses, não somos os mais qualificados para dar lições. Os mesmos desvios
produziram por toda a Europa o mesmo declínio: também o PCF pagou muito caro as
suas tendências para o oportunismo e o carreirismo ministerial. Por isso
devemos, em conjunto, refletir sobre a crise que abalou profundamente os
partidos comunistas: o futuro dos povos do continente depende da sua capacidade
de combater o capitalismo e o imperialismo e de acabar com a contrarrevolução
que assola a Europa há mais de 20 anos.
A França não é
certamente um caso único, em matéria de decomposição da força comunista
organizada. Entre os PC que conseguiam ser grandes partidos num país capitalista,
o colapso italiano é ainda mais espetacular: uma influência enorme em 1960, a
mudança para uma coisa (“a cosa”) quando muito reformista, em fim de século,
e o desabamento dos comunistas da “Rifondazione”, punidos por terem cedido
ao cretinismo ministerial, na companhia de uma esquerda convertida ao “mercado”,
à Europa do capital, mesmo ao clericalismo. Pela primeira vez depois da execução
de Mussolini não há qualquer comunista no Parlamento, em Roma, e o legado da
resistência antifascista é desmantelado todos os dias.
Certos PC europeus
tentam renascer diluindo-se numa miscelânea política onde os comunistas se
juntam com ecologistas antinucleares, sociais-democratas de esquerda e
pregadores pacifistas. Isso pode funcionar eleitoralmente durante algum tempo, como
na Alemanha – o Die Linke alimentou-se de recordações nostálgicas da
extinta RDA.
Mas tal não dura
muito: já o alinhamento oportunista de Die Linke com os
sociaisdemocratas em Berlim se traduziu numa diminuição da sua influência, particularmente
nos meios operários do Leste da capital.
Com efeito,
constata-se o mesmo declínio em toda a parte onde a tática dita “de união de
esquerda” desaguou numa fidelidade ao reformismo: em Espanha, a “Esquerda
Unida”, avatar oportunista do PC espanhol de outros tempos, teve resultados
eleitorais ínfimos.
As manifestações
ditas “de indignados” em Espanha são a vários títulos reveladoras:
certamente, exprimem uma tomada de consciência dos males do capitalismo, mas
foram sobremediatizadas pelas televisões devotas do capital, porque se diziam
refratárias a todos os Sindicatos e a toda a organização política. Em todo o caso,
elas revelam a incapacidade dos comunistas espanhóis de mobilizar as vontades anticapitalistas1.
Os únicos PC europeus
que conservam uma influência forte são os enraizados na sua identidade
comunista e que também sabem dinamizar as lutas sociais e políticas para além
das competições eleitorais: é hoje o caso, em primeiro lugar, do PC grego (KKE),
ator essencial em Atenas contra um governo de austeridade imposto pela Europa
supranacional. É também o caso do PC português, ativo nas lutas, apesar de algumas
dificuldades eleitorais; é o caso, também, do Partido do Trabalho belga, maoísta
no passado, mas que se tornou um partido marxista muito presente nas lutas sociais
e contra o separatismo da extrema-direita na Flandres, mesmo se o sistema eleitoral
em vigor lhe dá poucos eleitos.
Nos países que
restauraram o capitalismo depois de 1989, os ex-PC no poder da Europa de Leste converteram-se, na sua maior
parte, ao reformismo europeu mais rasteiro, às virtudes conjugadas do mercado e
da NATO, e alguns dos seus quadros assumiram sem escrúpulos o papel de gestores
do capital. De Sófia a Varsóvia, passando por Budapeste ou Tallin, estes “ex”,
ávidos de poder e dispostos a renegar tudo, deram argumentos à extrema-direita
e desqualificaram o ideal comunista por decénios.
Na Polónia, na
Bulgária, na Ucrânia, na Jugoslávia, Albânia, Croácia e Eslovénia, as
organizações realmente comunistas são pequenos grupos corajosos, sem grande influência.
Na Hungria, O PCH renascido é ainda muito fraco face aos “ex-comunistas”, que,
com o seu apoio à Europa supranacional e à regressão social, prepararam o
terreno à direita xenófoba, hoje no poder.
Assim, deste
naufrágio subsistem os PC checo e da Rússia, que por vezes alcançam 20% de
eleitores. Mas estão muitas vezes divididos entre um papel eficaz de dinamizadores
das lutas populares e pela paz e as nostalgias ineficazes de um “socialismo
real” que tinha certamente boas qualidades, prejudicadas depois (o pleno emprego,
por exemplo), mas já não faz sonhar as jovens gerações: os seus erros burocráticos
desacreditaram mesmo, de forma duradoura, a ideia do comunismo numa parte dos
povos da Europa; além disso, os comunistas são criminalizados pelos governos da
Europa Central e de Leste e pelos média ao seu serviço.
Nesta parte da Europa
citamos o caso particular do PC da Moldávia, que conserva uma forte influência
e está perto da maioria eleitoral, porque encarna a defesa da independência
moldava ameaçada pelo nacionalismo romeno.
Neste contexto, não
se pode prever em que prazo ocorrerá um necessário renascimento dos PC da
Europa; pode simplesmente dizer-se que isso é possível se todos nos
esforçarmos. Alguns tímidos sinais positivos estão a aparecer: bons resultados
eleitorais na Letónia, recentemente; as tentativas que se desenham na Itália de
reconstrução de um partido comunista.
O caminho da
renovação é ainda muito longo e árduo: razão de sobra para não desdenhar dos
esforços corajosos de todos aqueles que, por toda a Europa, se batem pela
reconstrução de uma força comunista. Neste sentido, temos de lamentar a escolha
política da direção do PCF de recusar sistematicamente participar nos encontros
internacionais das organizações comunistas. Assim, em 11 e 12 de Abril de 2011,
37 organizações comunistas da Europa encontraram-se em Bruxelas para condenar a
agressão imperialista contra a Líbia, sem o PCF. Os argumentos avançados pelos
responsáveis do PCF para recusar são inaceitáveis: “não mistura a sua opção
com a de grupúsculos não representativos”. Absurdo: como falar de grupúsculos
quando se trata do PC da Bielorrússia, do PT da Bélgica, do AKEL de Chipre, do
qual é membro o Presidente da República cipriota, do PC checo, do KKE grego, do
PC da Rússia, do Partido do Trabalho da Suíça, do PC ucraniano… “Temos desacordos”
disseram-me. E então, desde quando as divergências entre comunistas impedem a
discussão e ação comuns para a paz?
Com efeito, esta
recusa do PCF advém de uma escolha política dramaticamente errada, confirmada
com a sua participação no “Partido da Esquerda Europeia”, que aprova nos
seus estatutos “a Europa supranacional”, apesar desta, desde a sua nascença,
não ser mais do que um instrumento do capitalismo contra os povos. Além disso,
este PEE tem como objetivo reunir com partidos comunistas, outros que dependam
da social-democracia ou dos verdes, sobre objetivos políticos comuns, que só
podem ser reformistas.
Uma escolha política
que os comunistas preocupados em promover o seu ideal não podem aceitar. A
solidariedade militante entre os comunistas da Europa e do mundo, para combater
e vencer o capitalismo e o imperialismo, é um imperativo absoluto.
* Intervenção de Francis
Arzalier2 , do Coletivo Comunista francês POLEX, no 4.º Encontro
Internacionalista-2011.
1 As eleições
legislativas espanholas de 20 de novembro de 2011 confirmaram-no, infelizmente,
pese embora tudo o que se disse. O Partido Socialista, culpado de ter
patrocinado o desemprego e a regressão social, perdeu 4 milhões e meio de
eleitores. A Esquerda Unida, “Frente de Esquerda” reunindo ecologistas e
comunistas, não recuperou senão uma pequena parte (cerca de 500.000 votos),
apesar disso quase ter duplicado a sua percentagem (de 3,6% para mais de 6%).
2 Francis Arzalier é historiador e
responsável da revista “Aujourd’hui l’Afrique”. Os Encontros Internacionalistas
são realizados pela Secção de Vénissieux do Partido Comunista Francês (PCF).
[NT]
O mafarrico Vermelho
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