Israel, os meios de comunicação e a anatomia de uma sociedade doente
Israel, os meios de comunicação e a anatomia de uma sociedade doente
por Eric Draitser*/Resumen Medio Oriente/Rebelion
"O efeito é justificar o assassinato de palestinos apresentando-os como uma simples resposta a um fator extremo: a violência contra os israelenses. Porém, é claro, qualquer pessoa que tenha um conhecimento rudimentar do assunto sabe que os esfaqueamentos são em si respostas aos ataques dos colonos israelenses e das forças de segurança contra os palestinos, assim como a consequência previsível da brutalidade e da ocupação aparentemente intermináveis, a pobreza e o desespero.""A história do colonialismo está repleta de exemplos deste tipo. E, é claro, os israelenses, e o próprio Estado de Israel, se apresentam como as vítimas. O título marca o tema como um “desafio à segurança” de Israel, em lugar de, por exemplo, um problema do colonialismo ou de uma cruel ocupação. Assim que, tomados em sua totalidade, o título e o artigo têm o efeito acumulativo de fazer passar às vítimas por assassinos e os algozes por vítimas, invertendo assim a relação do opressor com o oprimido.""o comportamento dos israelenses frente à câmera é claramente emblemático da sociedade em geral de Israel, que vê os meninos palestinos como “cachorros” e “filhos da puta”, não aptos para respirar, indignos de viver."
O vídeo do menino palestino de 13 anos Ahmed Manasrah dessangrando na calçada de um bairro de Jerusalém Ocidental foi descrito como “chocante”, “preocupante” e “doloroso de ver”. Os monstruosos e abusivos insultos verbais dos israelenses vendo o menino retorcer em agonia estão, inevitavelmente, caracterizados como “desumanos” e “cruéis”; e de fato o são. “Morre, filho da puta! Morre! Morre!” , eram os gritos dos espectadores israelenses que podem ser escutados no vídeo que se converteu em viral nas redes sociais.
Embora tenha ocorrido muita discussão acerca deste vídeo e de outros atos similares, onde estiveram envolvidas execuções extrajudiciais de jovens palestinos acusados por Israel de ter apunhalado israelenses (ainda está em disputa a veracidade de algumas destas acusações), é evidente que não existe uma análise das implicações sociológicas.
Concretamente, se converteu em um tabu interrogar que classe de conclusões ideológicas e psicológicas pode ser extraída sobre a sociedade israelense, uma sociedade onde tal comportamento não é um caso atípico; onde, em lugar de ser uma anomalia, é indicativo de uma importante, se não a principal atitude.
Este tratamento, inegavelmente bárbaro não é simples ódio e não pode ser explicado ou justificado. Porém, isso é precisamente o que fazem os meios de comunicação hegemônicos. Basta dizer que existem muitos analistas políticos, ativistas e outros que são tímidos quando se trata de condenar firmemente a sociedade e as atitudes israelenses. Eles estão, e com muita justificação, temerosos de ser demonizados como antissemitas, aterrorizados de que, em lugar de um diálogo aberto e um exame crítico, seus argumentos sejam distorcidos e qualificados como de ódio e racistas.
Embora tais acusações sejam às vezes justificadas – como no caso de fanáticos fascistas e neonazistas para quem “judeu” é sinônimo de “mal” –, em outras se trata de desvios intencionalmente enganosos, criados para proteger a sociedade israelense da crítica que tão claramente merece.
Porém, aqueles cujo interesse está na justiça e em dizer a verdade não podem permanecer em silêncio, não podem permitir sua conversão em vítimas da autocensura induzida pelo medo, porque a crítica silenciada de Israel é, na realidade, um fracasso da defesa adequada dos oprimidos; é uma abdicação da responsabilidade de falar contra a injustiça, a brutalidade do colonialismo e a desumanidade do sionismo contemporâneo.
É igualmente um abandono do dever de desconstruir as narrativas dominantes pelo interesse da justiça social, de desafiar a propaganda dos meios de comunicação corporativos cuja função principal é proteger o poder da luz incômoda da crítica. Não posso e não estarei em silêncio.
Os meios de propaganda e o perigo de falsa equiparação
Lendo o New York Times , Washington Post e outros principais meios de comunicação, supostamente liberais, nenhum deles poderia ser perdoado por pensar que a natureza do conflito palestino-israelense é olho por olho, que é o produto de uma relação causa-efeito entre iguais. Assim é, precisamente, como se retrata o conflito em quase todos os jornais chamados “respeitáveis”. Tomemos, por exemplo, um artigo publicado nos Estados Unidos do “registro oficial”, o New York Times , apenas algumas horas depois do incidente, com o título “Somar ao desafio da segurança em Israel esfaqueamentos e reações mortais” [Stabbings, and Deadly Responses, Add to Israel’s Security Challenge].
Somente na desconstrução do título fica claro onde se encontram o preconceito e o engano. O Times impregna o título do artigo com uma presunção de culpabilidade atribuída aos palestinos. De acordo com a lógica sintática da construção do título, a palavra “esfaqueamentos” (apresentada primeiro) é a raiz do problema e, portanto, as “respostas mortais” são apenas isso, reações.
O efeito é justificar o assassinato de palestinos apresentando-os como uma simples resposta a um fator extremo: a violência contra os israelenses. Porém, é claro, qualquer pessoa que tenha um conhecimento rudimentar do assunto sabe que os esfaqueamentos são em si respostas aos ataques dos colonos israelenses e das forças de segurança contra os palestinos, assim como a consequência previsível da brutalidade e da ocupação aparentemente intermináveis, a pobreza e o desespero.
A história do colonialismo está repleta de exemplos deste tipo. E, é claro, os israelenses, e o próprio Estado de Israel, se apresentam como as vítimas. O título marca o tema como um “desafio à segurança” de Israel, em lugar de, por exemplo, um problema do colonialismo ou de uma cruel ocupação. Assim que, tomados em sua totalidade, o título e o artigo têm o efeito acumulativo de fazer passar às vítimas por assassinos e os algozes por vítimas, invertendo assim a relação do opressor com o oprimido.
Esta inversão é absolutamente necessária com a finalidade de encobrir os crimes de Israel e absolver o Estado de sua fanática e fascista culpa. Inclusive o tratamento supostamente justo da questão por parte da NBC News , de uma suposta corrente moderada, incorre em um tratamento desonesto do conflito e da violência recente.
Ao cobrir o incidente, a NBC News publicou uma história sobre os disparos de morte contra o menino Ahmed Manasrah e o posterior sarcasmo com o título “O vídeo viral do disparo contra Ahmed Manasrah resume o atual conflito entre Israel e Palestina” [Viral Video of Shot Ahmed Manasrah Sums Up Israel-Palestinian Conflic].
O artigo pretende apresentar o tema corretamente com a apresentação dos fatos que rodearam o execrável assassinato de Ahmed como um evento emblemático de todo o conflito. Essencialmente, a NBC News pretende assim dar a conhecer as versões opostas de fontes israelenses e palestinas como indicativo da luta mais ampla para a opinião pública, tentando convencer os leitores de que as acusações e as contra-acusações são simplesmente mais do mesmo e que a verdade é simplesmente incognoscível; depois de tudo, fontes israelenses dizem X, fontes palestinas dizem Y. Supõem que nunca o saberemos. O leitor deste artigo da NBC fica com a conclusão totalmente desonesta, ainda que politicamente muito útil, de que ambas as partes são igualmente culpadas, igualmente dignas de culpa e que o conflito mesmo está mais além da análise crítica. Mais ainda, apresentando o tema deste modo, o meio de difusão, neste caso a cadeia NBC , se considera justa, por ter proporcionado uma informação equilibrada.
Na realidade, no entanto, simplesmente ocultou a verdadeira natureza do conflito, que surge entre um opressor colonial e suas vítimas, deslocadas e despossuídas de forma sistemática durante sete décadas. Porém, deixando de lado a falsa equivalência ao ocultar a verdade da questão, a NBC News revela aqui, inadvertidamente, algo fundamentalmente verdadeiro sobre o conflito e é que, efetivamente, este incidente “resume muito do conflito entre Israel e Palestina”.
Apesar de não terem tido a intenção de fazê-lo, a NBC News expôs corretamente o fato de que o comportamento dos israelenses frente à câmera é claramente emblemático da sociedade em geral de Israel, que vê os meninos palestinos como “cachorros” e “filhos da puta”, não aptos para respirar, indignos de viver.
A patologia do fascismo israelense
O que o vídeo de Ahmed Manasrah deixa descoberto para que o mundo veja é a desumanidade do sionismo, uma ideologia de supremacia judia que, necessariamente, coloca os não judeus em uma relação inferior aos judeus, que outorga menos valor à vida do não judeu. Não é simples ódio o que motivou os repugnantes comentários dos espectadores, é um arraigado sentido intergeracional da superioridade de raça, da desumanização dos palestinos e dos árabes em geral.
Este fator fundamental é apenas muito raramente discutido, porém se encontra no coração do conflito palestino. Ao ver os árabes como menos humanos, muitos israelenses são capazes de justificar, mesmo em um nível inconsciente, todas as formas de brutalidade, de violência e de opressão. É preciso dizer aqui que alguns israelenses lutam contra este tipo de pensamento (Gideon Levy é talvez o crítico mais proeminente e franco de dita ideologia de supremacia), porém lamentavelmente estão afogados pela barbárie raivosa da direita israelense (e muitas do centro, também é preciso dizer). E este fenômeno, facilmente classificado como antissemita, é o que sustenta todas as políticas israelenses. E a aceitação ativa ou passiva dessas políticas de parte do corpo político israelense.
Enquanto Ahmed Manasrah permaneceu dessangrando em meio a um redemoinho de insultos por parte dos israelenses pode provocar um breve derramamento de downloads nas redes sociais, não é mais que um exemplo desse tipo de violência? É realmente tão diferente das escavadoras israelenses demolindo inúmeras casas palestinas? De alguma maneira, é mais bárbaro que o incêndio de habitações palestinas com os bebês que dormem no interior? Talvez fosse melhor não expressar surpresa e indignação pelo vídeo, mas vê-lo como a consequência lógica da ideologia fascista e racista adotada pelos líderes do Estado de Israel.
Para os israelenses, o vídeo se limita a continuar o exemplo de líderes como a ministra de Justiça, Ayelet Shaked, que no apogeu da guerra criminosa de Israel contra Gaza no verão de 2014, infamemente escreveu:
“O povo palestino nos declarou guerra e devemos responder com a guerra. Não um operativo, não um movimento lento nem de baixa intensidade ou escalada controlada, não destruição da infraestrutura do terror nem assassinatos seletivos. Suficiente com as referências indiretas. Esta é uma guerra… Não é uma guerra contra o terror, tampouco uma guerra contra os extremistas e nem sequer uma guerra contra a Autoridade Palestina …........ Trata-se de uma guerra entre dois povos. Quem é o inimigo? O povo palestino… O que é tão horrível acerca de entender que todo o povo palestino é o inimigo? Toda guerra entre dois povos e em todas as guerras as pessoas que começaram a guerra, toda essa gente, é o inimigo… Por trás de cada terrorista existem dezenas de homens e mulheres sem os quais não pode existir o terrorismo. Todos eles são combatentes inimigos e seu sangue se derramará sobre todas suas cabeças.
Isto também inclui as mães dos mártires… Elas devem seguir seus filhos, nada seria mais justo. Devem desaparecer, assim como as casas físicas nas quais se plantaram as serpentes. Do contrário, mais serpentes menores serão criadas nelas”.
Uma retórica semelhante, com toda a desumanização que implica, é uma reminiscência de inúmeras ideologias fascistas, do nazismo alemão da década de 1930, da política contemporânea do setor de direita da Ucrânia e do Batalhão Azov.
A noção de “guerra total” contra todo um povo, entre eles mulheres e crianças não combatentes, está realmente para além da simples propaganda de guerra. É a apologia do genocídio e da limpeza étnica. E este é exatamente o ponto: a limpeza étnica, como um conceito e objetivo militar, se converteu na moeda política de Israel moderno. Assim, por que deveria surpreender a alguém que os jovens israelenses desejem à morte um palestino sangrando, chamando-o de “filho da puta”? Depois de tudo, não é Ahmed Manasrah apenas outra “pequena serpente”?
… E mais uma coisa
Se a história passada é um indicador, o que se escreveu acima, sem dúvida, provocará algumas reações negativas, condenações, cartas de ódio e insultos de todo tipo. “Antissemita”, “traidor” e “auto-ódio” são alguns dos epítetos mais comuns que escutei infinitas vezes quando escrevi ou falei sobre Israel, o sionismo, a supremacia judia, e tais questões.
Estas calúnias não só não me desencorajam, como me motivam a falar mais francamente, já que são uma indicação de que as palavras estão atacando um núcleo que está em decomposição e necessita urgentemente ser exposto. Eu reconheço igualmente o privilégio com o qual escrevo estas linhas.
Como ateu confesso que repudia o etnonacionalismo e o tribalismo inerentes à ideologia política do sionismo, minha origem judia me dá um pouco de distanciamento das acusações de antissemitismo (não a impede, é claro).
Isto não só me permite uma maior liberdade para escrever e falar livremente sobre estes temas, como também me lembra de que tenho o dever de fazê-lo. Aqueles que não se opõem diretamente aos crimes do imperialismo, o colonialismo, a opressão e o genocídio, sem dúvida, são cumplices deles. Eu, de minha parte, não serei.
*Eric Draitser é o fundador do StopImperialism.org e apresentador do CounterPunch Radio. É analista geopolítico independente com sede na cidade de Nova York.
Traduzido do inglês para Rebelión por J. M.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
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