"O MOVIMENTO É TUDO, O OBJECTIVO FINAL É NADA" OU A TRAIÇÃO DOS TRABALHADORES E DO SOCIALISMO
"O MOVIMENTO É TUDO, O OBJECTIVO FINAL É NADA" OU A TRAIÇÃO DOS TRABALHADORES E DO SOCIALISMO
Por Catarina Casanova
Por Catarina Casanova
"Não é necessário um esforço particularmente grande para reconhecer quer estas posições quer este processo nos partidos eurocomunistas do nosso tempo. Designadamente, nas apreciações que implicam a vitória eleitoral e o exercício do poder através de um Estado burguês que, ao que parece, se haveria de metamorfosear em Estado socialista no dia em que um Governo dos trabalhadores o dirigisse. Tal tese, refutada desde Marx na Crítica do Programa de Gotha (1875)4 e por toda a prática histórica do séc. XX, é a que mais ilusões tem gerado entre os trabalhadores, e a que mais veementemente deve ser denunciada sempre que esta surja entre os seus dirigentes. Perante tal desvio de direita, a única solução é a do combate aberto entre os trabalhadores e os que, representando-os, se aburguesaram."
“Os meus pensamentos e esforços têm em conta a preocupação com os deveres do presente e do futuro mais próximo, e apenas me preocupo com as perspectivas para além desse futuro na medida em que me providenciam uma linha de conduta adequada ao contexto atual.” (Bernstein 1899:7)1
À espera do dinheiro do testamento de Engels, como refere no seu livro Socialismo Evolutivo (1899)1, Bernstein atrasou a publicação das suas teses revisionistas. E quando o fez, tornou-se o “pai” da social-democracia moderna, isto é, uma doutrina que se propunha instituir um conjunto de reformas graças às quais, pelo alargamento dos direitos políticos e econômicos dos trabalhadores, e um maior acesso à propriedade de títulos acionistas de grandes empresas por estes, a riqueza social se distribuiria sem que a burguesia tivesse de ser expropriada pela força.
Bernstein chega a afirmar (op. cit.) que não se coloca em questão a necessidade da classe trabalhadora “ganhar o controlo do governo”, numa formulação em que nada leva a crer que a violência revolucionária seja crucial. De facto, Bernstein não considera a violência política como a consequência de uma guerra entre classes antagônicas cujos interesses materiais são opostos e não podem de nenhuma forma ser conciliados. A violência para Bernstein é nada menos que um “cataclismo social”, e uma tentativa de forçar a ultrapassagem de “importantes períodos do desenvolvimento das nações”. A solução que o autor (1899) aponta para a classe trabalhadora é que o “desenvolvimento social”, entendido como “a luta pelos direitos políticos do homem trabalhador”, haveria de trazer a sociedade socialista sem “catástrofes súbitas”, as quais, por sinal, achava contrárias ao “interesse da social-democracia”. Sobre este último ponto, já falarei.
As teses de Bernstein encaixam plenamente na corrente do evolucionismo linear e determinista, e por isso negam os mais básicos princípios do materialismo dialéctico. A sociedade, na perspectiva de Bernstein (op. cit.), está “condenada” a um determinado percurso evolutivo, que conduz em linha recta ao socialismo. A tarefa dos trabalhadores não é organizarem-se para tomar os céus de assalto, como Marx disse a propósito da Comuna de Paris, mas, modestamente, remover os obstáculos jurídicos a essa evolução, através de um tarefismo exigindo direitos e liberdades dentro da legalidade burguesa em que, na frase proverbial, “o movimento é tudo, o objectivo final é nada”. Idealmente, este “movimento” haveria de “ganhar o Estado da burguesia”, por métodos pacíficos, claro está.
A este propósito, uma célebre polêmica opôs Bernstein e Kautsky ao próprio Engels, que em 1895 os acusou de deturpar as suas ideias numa introdução - escrita nesse mesmo ano de 1895- à edição francesa da Luta de Classes em França de Marx (1850), dando a entender que Engels defendia a via pacífica para o socialismo, é esclarecedora sobre as posições de Bernstein (sobre Kautsky, a polêmica com Lenine diz tudo 2).
É previsível que Bernstein considerasse um “cataclismo social” uma acção violenta que comprometesse os “interesses da social-democracia” (1899). É, de resto, esclarecedor que Bernstein separe os interesses da social-democracia dos da classe para a qual, aparentemente, a social-democracia teria surgido como corrente de pensamento. Bernstein é o primeiro a dar à estampa uma contradição de que Lenine falaria em inícios do séc. XX, entre os dirigentes da burocracia operária e a classe operária ela mesma. Recordamos uma vez mais esta muito importante passagem: O carácter relativamente «pacífico» do período de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito, depois como tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária e dos companheiros de jornada pequeno-burgueses (Lenine, 1916:4)3.
A possibilidade de apresentar, sem desassossegos particularmente grandes, as suas ideias “socialistas”, de circular pela Europa, de conviver com patronos abastados do SPD (Bernstein foi secretário particular de um, em Zurique), de beneficiar de uma certa aura intelectual e, no fim de contas, até de chegar ao parlamento burguês (o Reichstag) e lá discutir amigavelmente, com os políticos da burguesia, o tal “alargamento dos direitos políticos” dos trabalhadores que dizia representar, torna a ideia de uma revolução um verdadeiro cataclismo – desde logo, na vida pessoal de Bernstein. E este foi um problema comum aos dirigentes do SPD deste tempo: a tutela do movimento operário, a sua direcção burocrática, e a sua cooptação pelo institucionalismo, determinou que adotassem perspectivas políticas pequeno-burguesas. Não é por acaso, como Lenine notou, que em determinada altura a própria pequena burguesia (os tais “companheiros de jornada”) começa a olhar o SPD com simpatia e respeito.
Não é necessário um esforço particularmente grande para reconhecer quer estas posições quer este processo nos partidos eurocomunistas do nosso tempo. Designadamente, nas apreciações que implicam a vitória eleitoral e o exercício do poder através de um Estado burguês que, ao que parece, se haveria de metamorfosear em Estado socialista no dia em que um Governo dos trabalhadores o dirigisse. Tal tese, refutada desde Marx na Crítica do Programa de Gotha (1875)4 e por toda a prática histórica do séc. XX, é a que mais ilusões tem gerado entre os trabalhadores, e a que mais veementemente deve ser denunciada sempre que esta surja entre os seus dirigentes. Perante tal desvio de direita, a única solução é a do combate aberto entre os trabalhadores e os que, representando-os, se aburguesaram.
De réplicas de Bernstein, como vimos, os partidos comunistas não precisam. Bem pelo contrário: todos os comunistas têm o dever de os denunciar aos trabalhadores e aos militantes que neles, muitas vezes, vão inocente, mas cegamente, confiando.
Referências bibliográficas:
1 Bernstein, E. 1899 (1911), Evolutionary Socialism: A Criticism and Affirmation. New York: B. W. Huebsch.
2 Lenine, V. 1918. A Revolução Proletária e o Renegado Kaustky (http://dorl.pcp.pt/images/classicos/t28t044.pdf)
3 Lenine, V. 1916. O Oportunismo e a Falência da II Internacional(http://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/lenine_oportunismo2internacional.pdf)
4 Marx, K. 1895. Crítica do Programa de Gotha (http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/gotha.pdf)
Fonte: Cravo de Abril
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