O lado não ideológico do fascismo: crise de sobreprodução e guerra aos salários
Observações contemporâneas sobre o lado não ideológico do fascismo: crise de sobreprodução e guerra aos salários
por Annie Lacroix-Riz*
"... exemplo do fascismo alemão, com um sucesso mais tardio do que em Itália (outubro de 1922), mas considerado mais “perfeito”: o alinhamento das classes dirigentes da Europa continental com este modelo e a atração considerável que exerceu sobre as dos Estados Unidos e do Reino Unido tiveram as mesmas motivações sócio-econômicas"
O fascismo é muitas vezes apresentado como “uma contrarrevolução preventiva” das classes dirigentes, com o objetivo de reprimir o recrudescimento da agitação social e política que se tinha seguido à I Guerra mundial (no caso da Alemanha, em novembro de 1918-janeiro de 1919 e, no italiano, 1919-1920)1 .
Foi, sobretudo, uma réplica feroz da crise de sobreprodução que ameaçou o colapso dos lucros. Cingir-me-ei aqui ao exemplo do fascismo alemão, com um sucesso mais tardio do que em Itália (outubro de 1922), mas considerado mais “perfeito”: o alinhamento das classes dirigentes da Europa continental com este modelo e a atração considerável que exerceu sobre as dos Estados Unidos e do Reino Unido tiveram as mesmas motivações sócio-econômicas.
A falaciosa aliança entre capital e trabalho de novembro de 1918
O grande patronato alemão tinha digerido mal as concessões públicas que tinha sido obrigado a consentir, em 15 de novembro de 1918, para matar no ovo a “revolução” que ameaçava seguir-se à capitulação do Kaiser, Guilherme II do 9. Este fundamento do “contrato social” da República de Weimar repousava, contudo, numa capitulação falaciosa. A ADBG (Confederação geral sindical alemã), maioritária, organicamente ligada ao SPD [Partido social-democrata alemão - NT] e tão empenhada como ele no combate à revolução social, tinha, ao mesmo tempo, assinado com os delegados patronais um protocolo secreto, libertando-os dos seus compromissos: as convenções coletivas sobre os salários e as condições de trabalho não se aplicariam senão “de acordo com as condições da indústria respectiva”; “a jornada de 8 horas em todas as indústrias” apenas se “as principais nações industriais” também o praticassem.
Este acordo clandestino entre Trabalho e Capital foi o equivalente social da aliança
política secreta “com as forças do antigo regime” concluída em outubro-novembro
pelo SPD com o Estado-maior da Reichswher [Defesa do Império: forças Armadas Alemãs
entre 1919 e 1935 – NT], porta-voz das classes dominantes em 1918. Completada com
uma impiedosa caça aos vermelhos, na qual se formaram as futuras eminências nazis,
este pacto “contranatura” deixava poucas hipóteses de sobrevivência à “República de
Weimar [República estabelecida na Alemanha após a I Guerra mundial, entre 1919 e 1933, início do
regime nazi – NT]”2.
A dívida privada e a falência da Alemanha
Cheios de ódio contra a referida República (contudo, tão boa filha era) nascida da sua
derrota pública, a aristocracia e a grande burguesia despojaram-na do seu verniz
enganador “de esquerda” inicial. A base social de “Weimar” resistiu-lhes melhor até
ao furacão dos anos 1930, que devastou a Alemanha. Empresas, comunas e Estado
endividaram-se maciçamente junto dos bancos internacionais, desde a estabilização
do marco, em 1923-1924, realizada sob tutela americana, para desenvolver as
capacidades produtivas, designadamente ao serviço da retaliação militar.
Assim, o Reich tornou-se o maior devedor internacional dos Estados Unidos e de
todos os países do “centro” imperialista. O capital financeiro estrangeiro foi, pois, um
fator de primeiro plano, tal como aconteceu nos anos 1920 com o enorme devedor
que foi a Itália, das medidas drásticas tomadas pela Banca das regras internacionais
durante a tempestade do verão de 1931, para prorrogar a dívida alemã. Os diktats
deste clube privado dos bancos centrais fundado pelo Plano Young, antepassado
(ainda vivo) e pouco conhecido das instituições americanas de Bretton Woods,
prefiguravam exatamente as medidas adotadas na última fase mais aguda da atual
crise sistêmica, sob a tutela dos grandes bancos de cada país, do Banco Central
Europeu e do Fundo Monetário Internacional.
A guerra aos salários e a política do SPD do “mal menor”
O desmoronamento dos mercados e dos lucros e o imperativo de regularizar “a dívida
internacional privada” exigiam a “quebra”, não só dos salários, mas de todos os
lucros não monopolistas: este objetivo mobilizou as classes dirigentes nacionais e os
seus credores americanos, ingleses, franceses, etc. Entre as condições postas, em
julho de 1931, para o “resgate” do Reich, figurava o envolvimento do NSDAP [Partido
nacional-socialista alemão, nazi – NT], vencedor eleitoral de Setembro de 1930, graças ao
apoio de longa data (sobretudo depois de 1923 e da ocupação do Ruhr) [A ocupação do
Ruhr entre 1923 e 1924 pelas tropas francesas e belgas, foi a resposta ao fracasso da República de
Weimar em cumprir a sua obrigação de assumir a compensação financeira aos Aliados, após a derrota
do Império Alemão na Primeira Guerra Mundial – NT] do patronato mais concentrado da
indústria pesada, que foi seguido pelo resto do patronato: esta fórmula de direita sem exceção permitiria, com os seus métodos de terror (e de sedução), baixar os
rendimentos das vítimas sem temer a reação.
Antes de o NSDAP ser empossado como partido do governo, em fevereiro de 1933, a
par da direita “clássica”, a missão foi atribuída às organizações operárias
“compreensivas”. Estas apelaram aos seus aderentes a participarem nos sacrifícios
apresentados como indispensáveis ao interesse nacional, reduzindo os seus salários:
o ultradireitista chefe (SPD) do sindicato das madeiras e um dos chefes nacionais da
AGBD [Central sindical alemã – NT], deputado do SPD (1928), Fritz Tarnow,
propagandeava em 1931 «“um casamento de conveniência” com os patrões» (“não
deveremos nós ser o médico à cabeceira do capitalismo?”). O SPD apoiou o seu
chanceler Hermann Müller que, tendo tomado posse depois do sucesso eleitoral da
esquerda, governou com a direita “clássica” e tentou uma primeira “reforma” (por
baixo) do subsídio de desemprego (junho de 1928-março de 1930).
O SPD apoiou também o sucessor de Müller, Brüning (maio de 1930-maio de 1932) e
a reeleição de Hindenburg para a presidência do Reich (abril de 1932), e ficou
indiferente ao golpe de Estado da direita aliada aos nazis, dizendo que contava com
as eleições seguintes (novembro de 1932). Tudo em nome do “mal menor” contra
Hitler, enquanto a direita, com Brüning e Hindenburg à cabeça, preparava
abertamente a chegada do NSDAP. Os adeptos da “frente republicana” do século XXI
deveriam debruçar-se sobre a experiência política dos anos 1930.
A esquerda alemã e o nazismo
A conversa sobre as culpas do KPD [Partido Comunista Alemão – NT] “esquerdista”
dissimula as responsabilidades esmagadoras, e entendidas como tal desde 1933, das
direções do SPD e das suas organizações, entre as quais a AGDB 3. A passividade
perante o patronato e a sua solução nazi, levada até à oferta de serviços, serviria de
sésamo para as “carreiras ocidentais” do pós-guerra, como a de Tarnow: perseguido
em 1933, mas rejeitado pelos hitlerianos e obrigado a exilar-se, regressou da Suécia
em 1946 a pedido dos americanos, que o tinham escolhido para dirigir, contra
qualquer risco de aliança com os comunistas, na Bizona, em 1947, e na Alemanha
ocidental, em 1949, a velha central sindical que então passou a chamar-se DGB
(Deutscher Gewerkschaftsbund).
Não foi a agitação social que permitiu, em 1933, a chegada dos hitlerianos ao poder:
foi a recusa maioritária das classes lesadas de rejeitar este assalto contra os seus
rendimentos, ou a sua passividade face a esta “estratégia de choque”, para retomar
uma expressão posterior de Naomi Klein. Contra esta linha, que as organizações
maioritárias da “esquerda de governo”, os combatentes isolados, essencialmente
operários, do KPD e da sua “Organização Sindical Vermelha” (RGO), combateram
corajosamente, quer depois quer antes de fevereiro de 1933, mas em vão. É urgente
que se reflita sobre isto na presente crise sistêmica do capitalismo, em que os «médico[s de “esquerda” à moda de Tarnow] à cabeceira do capitalismo» fingem
acreditar na magia dos encantos “antifascistas”4
.DOIS TEXTOS INÉDITOS ILUSTRATIVOS
Descoberta e transcrição, Annie Lacroix-Riz
A esquerda alemã e o triunfo do nazismo : um julgamento policial
francês
Fonte, RG Segurança nacional SN JC5. A. 4509, Paris, 18 de maio de 1933, F7 (fundos
polícia geral), vol. 13430, Alemanha, janeiro-junho de 1933, Arquivos nacionais,
datilografado, 7 p., in extenso, passagem em itálico sublinhada no texto.
Recordemos a animosidade do aparelho de Estado policial em relação ao comunismo.
«O papel e a sorte dos comunistas e dos socialistas alemães.
O apagamento total das organizações marxistas alemãs em presença do hitlerismo
triunfante é um facto sem precedentes. Não há ditadura que não tenha encontrado,
pelo menos no momento do seu estabelecimento, algumas tentativas de resistência
ou de reação. Nada parecido na Alemanha. Se os confrontos, por vezes sangrentos, se
registravam normalmente entre racistas e revolucionários de esquerda – quase
sempre comunistas – enquanto o NSDAP foi um partido de oposição, estes conflitos
cessaram radicalmente, desde que Hitler tomou o poder. Contudo, neste momento,
os apoiantes do novo Chanceler e os dos seus aliados nacionalistas não chegavam a
representar mais de metade da população do Reich. Para as forças revolucionárias, a
sorte, se bem que difícil, podia ao menos ter sido tentada e, em todo o caso, depois
dos apelos à confiança feitos no estrangeiro pel’ “A Alemanha republicana”, havia a
honra a salvar. Nada se fez, nada se tentou. Esta questão não tem apenas um
interesse histórico. Porque podemos questionar-nos sobre o que aconteceu às massas
que os partidos socialista e comunista pretendiam enquadrar; quais são os
sentimentos desta massa depois da ausência ou desaparecimento dos chefes.
Mas convém distinguir entre socialistas e comunistas. Em primeiro lugar,
constatamos que nenhum dirigente do partido comunista fez vénia à revolução
nacional. Estão todos presos, em fuga, ou escondidos. Foram sobretudo os
comunistas que encheram os campos de concentração. Nestes campos, estima-se
atualmente, estariam 50 000 revolucionários. Entre os chefes presos citemos:
Ernst Thaelmann, líder do partido comunista;
Ernst Torgler, chefe da fração comunista no Reichstag [um dos raríssimos futuros
renegados, com quem o KDP pouco contou, Annie Lacroix-Riz];
Wili Kasper, chefe do grupo parlamentar do Estado da Prússia;
Ernst Scheller, Anton Jadasch, [Fritz] Selbmann, Willi Kunz, etc.
Outros procuraram ganhar o estrangeiro. A sua conduta foi severamente julgada pela
Terceira Internacional, que vê neles “desertores”. Os que se refugiaram na Rússia
foram aconselhados a voltar ao seu posto e a continuar a luta ilegalmente. Outros
conseguiram passar as fronteiras ocidentais do Reich e foram convidados a voltar à
Alemanha. Os que se recusaram foram expulsos do partido. Assim, no fim de abril, o
Arbeiter Zeitung, órgão comunista de Sarrebruck, publicou este aviso: “O distrito de
Bade-Palatinat pede-nos a publicação da expulsão seguinte: o deputado do
Reichstag Bennedom-Kusel, a residir há algumas semanas no Sarre [O Sarre (em
alemão Saarland) é um dos 16 estados federados (Länder) da Alemanha, no sudoeste do país. O rio
Sarre atravessa sua capital Saarbrücken. – NT], tendo recebido da direção do distrito a
ordem de regressar à Alemanha, não acatou este convite. Foi expulso do partido
comunista alemão por cobardia perante o inimigo de classe”.
Quais são, então, as tarefas propostas aos chefes que ficaram nos seus postos? Ei-las,
tal como foram definidas pelo Comité executivo da Terceira Internacional: a) Criar
organizações ilegais; b) Alargar a rede de difusão da imprensa ilegal do partido; c)
Infiltrar ao máximo as organizações dos partidos adversários; d) Trabalhar
principalmente nas fábricas.
Tudo isto, evidentemente, está certo. Mas os resultados não foram o que tais
orientações poderiam fazer crer. A necessidade de os dirigentes, que ficaram nos seus
postos, terem de trabalhar clandestinamente reduziu a sua ação a muito pouca coisa,
e é mesmo duvidoso que o seu trabalho se pudesse prolongar por muito tempo na
presença da atividade de uma polícia extremamente desenvolvida. Sem dúvida que a
imprensa comunista estrangeira considerou um grande fracasso que os Serviços
hitlerianos tenham apanhado alguns exemplares de jornais ou brochuras editadas
clandestinamente, o que mostraria que uma abundante literatura revolucionária
circulava por debaixo da mesa. Mas a maior parte destas apreensões remontam aos
primeiros dias de abril, e o último número da Rote Fahne (jornal do KPD) ilegal data
de 15 de abril. Se foi imprimido, é muito duvidoso que tenha sido muito divulgado.
Assinala-se também que se realizaram algumas manifestações de fábricas, mas as
últimas são do mês de março. Por fim, no final dos respetivos mandatos teriam sido
reeleitas algumas “comissões de trabalhadores” (Betriebsraete), compostas por
elementos de esquerda, mas essas reeleições teriam tido lugar apenas no mês anterior
e não se produziu nenhuma reação perante as medidas de polícia que se tomaram
contra essas comissões.
Além disso, os chefes comunistas não conseguem dissimular completamente que uma
grande parte das suas tropas os deixou ou se desmobilizou. O militante Erich, um dos
dirigentes da Rote Gewerkschaft (organização sindical vermelha) escreveu na
Rundschau (boletim agora editado em Basileia): “A Rote Gewerkschaftsorganisation [RGO] sofreu muitíssimo com o terror fascista. Este terror teve como efeito que uma
parte dos nossos camaradas abandonassem a nossa bandeira e outros adotassem
uma posição completamente passiva”.
Se os comunistas, é preciso repetir, que mostraram uma coragem incontestável até ao
último mês de março, estão lá, facilmente se imagina onde foram os socialistas. Os
comunistas sempre censuraram os socialistas de terem um espírito pequeno-burguês
e, em certo sentido, conservador. Não há nada de mais verdadeiro. Depois de terem
colhido sem vergonha, em 1918, os frutos de uma revolução que tinha alcançado a
maturidade, os socialistas alemães nunca souberam senão erguer construções
burocráticas que poderiam provocar ilusões no estrangeiro e de cuja propaganda a II
Internacional não deixou de se servir, mas que, na realidade, não tinham alma e eram
perfeitamente incapazes de pôr em causa o curso dos acontecimentos muito
previsíveis.
Estes acontecimentos, de resto, demonstraram que os chefes, nas declarações dos
quais se fundavam as esperanças de uma grande parte da opinião estrangeira no
futuro da República alemã, não tinham fé. Não souberam senão vergar-se ou fugir,
como Braun, Grzesinski, Breitscheid, Dittmann, Crisprein, Noske, Bergemann e,
mesmo, levar o seu apoio mais ou menos velado ao novo regime, como Leipart,
Grassmann, Tarnow, Wels, Stampfer, Hilferding. Ainda é recordada a submissão
escandalosa do chefe socialista Wels e a declaração, em 21 de março, do comité
dirigente da Allgemeiner Deutscher Gewerkschaftsbund (Confederação Geral do
Trabalho) consentindo na sua adesão – empurrada com desprezo - na organização
sindical do III Reich. A Federação dos empregados socialistas (Afa Bun) e a
Federação dos funcionários socialistas (a Allgemeiner Deutscher Beamter Bund)
seguiram o mesmo caminho e o milhão e trezentos mil membros das organizações
desportivas operárias foram entregues pelos seus chefes ao regime hitleriano. Até
mesmo a Reichsbanner [Organização política e paramilitar criada na República de Weimar, em
1924, para defesa do regime republicano burguês. Era formada por membros do Partido socialdemocrata
e outros partidos burgueses para combater o “extremismo” de direita e de esquerda (o
Partido Comunista Alemão) – NT], feita para defender a República, caiu espontaneamente
em pedaços. Ela representava, porém, um milhão de membros organizados. Mas os
que conheciam os assuntos alemães sabiam muito bem que a combatividade destas
tropas, conduzidas por burocratas, era praticamente nula e que era imprudente tirar
partido delas. A Reichsbanner tinha recebido dos seus adversários a alcunha de
Papenhelm (capacetes de cartão). Quanto às secções da Juventude Socialista, foram
transformadas em inocentes associações de turismo, apesar de uma meritória
oposição de Erich Schmitt, chefe da secção de Berlim.
A submissão total da social-democracia, de resto, não impediu totalmente, as
represálias e as sanções. O ex-ministro Sollmann foi seriamente maltratado em
Colónia. Os líderes sindicalistas Leipart, Grassmann e Wissel foram presos, apesar de
terem aderido aos projetos hitlerianos. O chefe da Reichsbanner, Holtermann, em
fuga, é procurado. É, porém, sob a sua administração, exatamente em 6 de abril, que
o distrito Berlin-Brandeburg da Reichsbanner define a posição da organização de
uma forma que devia, com toda a evidência, satisfazer os nazis. Com efeito, este distrito, em 6 de abril, tinha dirigido uma circular às suas secções em que se dizia
particularmente: “Temos três possibilidades:
- O emprego dos métodos violentos dos comunistas. Mas está claro para cada um
dos camaradas que estes métodos são criminosos e que se devem pôr de lado.
- A abstenção.
- A busca de uma colaboração no quadro da vida prática.
Há muitos anos que transportamos nos nossos corações a fé na Alemanha e no
futuro da Alemanha. É por isso que reclamaremos o nosso lugar na nova vida do
Estado alemão e que faremos pela Alemanha tudo o que ela espera de nós: o nosso
dever. O comité dirigente negocia com os serviços competentes as questões da
atividade da nossa associação. Os pontos seguintes são fundamentais: cultura da
amizade; ajuda aos antigos combatentes; educação da juventude, preparação
militar; trabalho voluntário”. É isto que uma organização de autodefesa socialista
para proteger o regime republicano consegue encontrar no momento em que este
regime se afunda.
A mesma atitude tem a organização desportiva operária. A Zentral Kommission für
Arbeitersport und Koerperpflege publicou a seguinte declaração: “A Comissão
central desportiva operária afirma que está pronta para colaborar lealmente com o
regime nacional, a bem do povo. Esta comissão é de opinião que esta colaboração
deve ter lugar numa base neutra. As associações desportivas operárias estão
dispostas a incorporar-se, sem reservas, na organização desportiva do Estado e,
para isso, fazer todos os sacrifícios necessários. Apelam ao espírito cavalheiresco do
novo governo, sem renegar cobardemente a sua antiga posição. Para elas, fazer
desporto era servir o povo. E sê-lo-á ainda no futuro”.
Tanta lamechice não iria servir de nada. A colaboração oferecida foi desdenhada, as
organizações varridas, os chefes descartados e desprezados. O novo regime faz tudo
sozinho e constrói tudo a partir da sua base. Mas, as tropas socialistas? Poderiam as
tropas ir contra as ordens superiores? Que a atitude dos chefes irritasse alguns
militantes, isso é possível. Mas estes foram impotentes no meio do desencorajamento
e da cobardia universais, e nenhuma reação, por pequena que fosse, se deu. É
evidente que a traição dos chefes destruiu todas as energias dispostas a intervir.
Destruiu-as também para o futuro e foi ainda mais nefasta para o republicanismo e o
liberalismo alemães do que quaisquer batalhas perdidas que pudessem ser sido
travadas.»
A sobre-exploração operária na Alemanha, fevereiro 1933-
fevereiro 1939
Fonte: RG Prefeitura da polícia, Informação, 20 de fevereiro de 1939, BA 2140,
Alemanha, 1928-1947,
Arquivos da Prefeitura da polícia
«Os operários alemães a trabalhar nas indústrias de guerra são submetidos a uma
disciplina particularmente severa.
Os operários das fábricas de produtos químicos estão sujeitos à lei militar e aos
regulamentos das grandes empresas da IG Farben. Nas fábricas Leuna, um
verdadeiro exército de agentes da Gestapo e espiões profissionais vigiam os operários
durante e depois do trabalho. É proibido aos operários entrarem noutros locais, além
daquele onde trabalham. Alguns locais estão mesmo interditos aos capatazes e aos
engenheiros. Cada trabalhador tem de assumir o compromisso, por escrito, de nada
dizer sobre o seu trabalho na fábrica. O regulamento da fábrica contém um sistema
de sanções que vai até a pena de morte.
A indústria química teve uma enorme expansão, por causa dos preparativos do
fascismo hitleriano para a guerra, como provam as imensas construções de oficinas e
fábricas concretizadas. Desde 1935, o número de empresas da indústria química
aumentou em 2 520, o número de operários aumentou em 131 415, de tal modo que
em 1938 esta indústria ocupou mais de 500 000 pessoas.
O plano quadrienal, em particular, levou a um aumento do fabrico de produtos de
substituição, graças às subvenções extraordinárias do Estado. Em 1938, a Alemanha
produziu 165 000 toneladas de lã vegetal, o Japão 130 000 e a Itália 100 000; isto
significa que as potências do Eixo totalizaram 81% da produção mundial, que
ascendeu a 440 000 toneladas.
Não é de surpreender que a indústria química tenha podido registar, nestes últimos
anos, lucros muito consideráveis, apesar do facto de os produtos de substituição não
serem rentáveis. A IG Farben apresentou um lucro líquido [declarado] de:
.
49,14 milhões em 1933;
.
50,98 milhões, em 1934;
.
51,44 milhões, em 1935;
.
55,40 milhões, em 1936.
Tendo em conta algumas outras posições camufladas, chega-se a um montante de
1.500 milhões de marcos para os primeiros quatro anos do regime hitleriano.
Apesar do aumento da produção e do esforço muito maior que se exige aos operários,
estes viram cair o salário real. As estatísticas nazis fazem o cálculo de que o salário
anual de um operário na indústria química, em 1930, era em média de 2 543 RM,
contra 2 193 em 1936. Mas estes são apenas os salários brutos. Deve-se deduzir as
retenções de 20 a 25%, e as “doações voluntárias” que eram impostas aos operários.
Com estes salários não se conseguia fazer face às despesas. Os tribunais constataram
que muitos operários das fábricas de explosivos, em Coswig-Anhalt, eram obrigados a
trabalhar nas horas livres como “garçons” ou como músicos. O chefe da empresa
declarou no mesmo tribunal que os “operários vieram para o trabalho depois de
terem trabalhado noutros locais”, isto é, eles trabalhavam 16 horas seguidas.
[Num discurso em Essen, em 30 outubro, o Dr. Ley reconheceu:] “Até agora, o
esforço em cada empresa teve um aumento de, pelo menos, 30%. Um dos maiores
verificou-se numa grande fábrica de borracha, com um aumento na produção de
60%. As pessoas estavam fatigadas e sucumbiam ... Tratava-se da fábrica de
Phoenix, em Hamburgo”.
Esta exploração acrescida, esta cadência exagerada, assim como os baixos salários, as
más condições de trabalho e a falta de alimentos provocam um aumento dos
acidentes de trabalho. A Frente do trabalho da secção de química admite que desde
1933 o número de acidentes de trabalho não parou de crescer. Contaram-se, em 1936,
32 453, com 144 mortes; em 1937, 40 225, com 188 mortes; e estes números ainda
aumentaram em 1938. Houve, na verdade, mais de 200 acidentes mortais. Apesar
desta situação, queria-se obter um aumento do rendimento com novas medidas de
racionalização. Esta vergonhosa exploração choca-se, no entanto, com uma crescente
resistência.»
*Annie Lacroix-Riz - Professora emérita de história contemporânea, Universidade de Paris 7
1 Pierre Milza, Les fascismes, Paris, Points Seuil, 1991.
2 Gerald Feldman, Army, Industry and Labour in Germany, 1914-1918, Princeton, 1966, obra-prima não traduzida em francês; Gilbert Badia, Histoire de l’Allemagne contemporaine 1933-1962, Paris, Éditions sociales, 1962, et Les spartakistes, 1918: l’Allemagne en révolution, Paris, Julliard, 1966.
3 RG Prefeitura da polícia, sobre “Les événements d’Allemagne”, 8 de maio, e RG Segurança national SN JC5. A. 4509, Paris, 18 de maio de 1933, F7 (polícia geral), vol. 13430, Alemanha, janeiro-junho 1933, Arquivos nacionais, conforme documento publicado abaixo; e Derbent, La résistance communiste allemande, Bruxelles, Aden, 2008 (e transcrição em linha).
4 Badia, Histoire de l’Allemagne; Lacroix-Riz, Industrialisation et sociétés (1880-1970). L’Allemagne, Paris, Ellipses, 1997; comparação entre fascismo francês e alemão, Le Choix de la défaite: les élites françaises dans les années 1930, Paris, Armand Colin, 2010, e De Munich à Vichy, l’assassinat de la 3e République, 1938- 1940, Paris, Armand Colin, 2008; sobre Tarnow, Scissions syndicales, réformisme et impérialismes dominants, Montreuil, Le Temps des cerises, 2015, pp. 172, 207-209 e 232. O documento de 1939 que se publica abaixo mostra o efeito devastador do triunfo patronal de 1933 sobre os salários e as condições de vida populares.
Fonte: Pelo Socialismo
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