Tempestade nas Arábias
TEMPESTADE NAS ARÁBIAS
As rebeliões populares que percorrem há mais de dois meses os países árabes desafiam não somente os governantes, mas também a inteligência dos que pretendem compreendê-las. Quem são os governantes e os regimes contra os quais se levantaram seus povos? Há os que imaginam dispor de fórmula infalível para explicar todo e qualquer processo político: multiplicam por -1 o que lêem ou ouvem nos media imperialistas e consideram análise correta o produto dessa operação. Outros dão sempre razão à multidão, como se nunca tivessem visto uma torcida de futebol enfurecida. A análise concreta da situação concreta exige mais dos neurônios.
Desencadeada na Tunísia em 17 de dezembro de 2010, rapidamente propagada ao Egito, ao Yemen, a Bahrein, à Jordânia, à Líbia, a Oman, ao Iraque e com menor intensidade à Argélia e ao Marrocos, a rebelião popular enfrentou porretes e balas das forças de (in)segurança, quase sempre milícias de pistoleiros profissionais. Na Tunísia a amplitude e intensidade da mobilização levou à derrubada do presidencialismo ditatorial instaurado por Bourguiba, chefe histórico da luta pela independência, obtida em 1957. Dava sinais inequívocos de senilidade quando Ben Ali, que era primeiro-ministro, afastou-o em 1987. No Egito, Moubarak sucedeu a Sadat, assassinado em outubro de 1981 por um oficial inconformado com a política de sujeição ao imperialismo e de abandono da causa palestina. Manteve a mesma sujeição, recompensada pelos dólares da Casa Branca, principalmente dirigidos às forças armadas.
Assim como Ben Ali, saqueou os cofres públicos com colossal voracidade (Collor, perto deles é um ladrão de galinhas). Não obstante, ao longo do mês de janeiro de 2011, o Exército recusou-se a disparar contra os manifestantes, preferindo desfazer-se de Moubarak. Logrou assim não somente erigir-se em interlocutor do movimento popular, mas também em árbitro da provável transição para um regime liberal e sobretudo, manter o controle do Estado, por enquanto sob vigilância das massas.
O fortíssimo efeito de contágio da rebelião do povo tunisiano, após pôr em marcha o povo egípcio, de Alexandria ao Cairo, estendeu-se do Iraque ao Golfo árabe-persa, confirmando o enraizado sentimento unitário dos povos islâmicos de língua árabe. Que esse grande vagalhão tenha atingido com forte intensidade a Líbia, situada entre a Tunísia e o Egito, não surpreende. As posições anti-imperialistas de Khadafi não bastaram para que o povo lhe renovasse “sine die” o mandato que vem exercendo desde 1968, quando à frente de jovens oficiais nasseristas (o Egito naquele momento estava à frente da revolução árabe) depôs o rei Idris e nacionalizou o petróleo, cuja renda entretanto não foi suficientemente transferida para as massas, cujas condições de vida e de traba lho permanecem precárias (ao longo da última década, a taxa de desemprego manteve-se em cerca de 30%).
É difícil supor que as causas que levaram tunisianos e egípcios à rebelião sejam muito diferentes das que puseram os líbios em movimento. Nem mesmo os intelectuais revolucionários vivem só de ideologia.
Tampouco surpreendem de outro lado, que os bandoleiros da OTAN, US à frente, tenham aproveitado o contágio líbio para tentar acertar as contas com Khadafi. Cacarejando como de costume “dimócraci”, “interneichional comiuniti” “iuman raits” e outros chavões, que via de regra anunciam uma chuva de mísseis, os gringos estão militarmente mobilizados. Enquanto isso, a guerra civil prossegue. Khadafi não estava blefando quando anunciou que iria resistir à bala. Pensemos dele o que quisermos. Se a intervenção do Pentágono e sócios se confirmar, nenhuma hesitação será possível.
João Quartim Moraes
Escritor e Professor UniversitárioTexto recebido por e-mail da ESK enviado por CAB em 02/03/11
O Mafarrico
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